CISTERNAS NA ZONA RURAL DO SEMIÁRIDO NORDESTINO: MECANISMO INDEPENDENTE PARA CONVÍVIO COM A SECA

Autores

  • ÉVELYN RAIANE OLIVEIRA PIRES evelynrop@hotmail.com
    Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA, campus Seabra.

Resumo

A manutenção da vida é apoiada em diversos fatores sociais, bem como saúde, valorização de uma
população, economia, educação, qualidade e condições de vida, os quais são influenciados de forma direta pelo
acesso à água potável (OLIVEIRA, 2017), que segundo a Agência Nacional de Águas (ANA, 2019a) corresponde
a apenas 2,5% da água do planeta. É importante ressaltar que nesse pequeno total, cerca de 69% está situado nas
geleiras, dificultando o seu acesso. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO, 2019), nesse contexto, afirma que da população mundial, aproximadamente 2/3 (dois terços) sofre,
por pelo menos um mês ao ano, com uma grave escassez hídrica; o órgão internacional declara ainda que o maior
consumo de água refere-se à agricultura, responsável por 69% anual. Diante disso, conforme a ANA (2019b), o
Brasil dispõe de um elevado percentual da água doce da Terra, no entanto apresenta irregularidade na disposição
por toda a extensão territorial, tendo em vista que boa parte do recurso está na região Norte, onde se concentra a
menor povoação brasileira, contribuindo assim para a dificuldade de abastecimento de água potável em diversas
regiões nacionais (OLIVEIRA, 2017). O cenário de crise exposto é refletido na região Semiárida nordestina, a
qual enfrenta o desastre natural da seca e carece de infraestrutura adequada para a efetiva convivência com esse
fator (MELO; PEREIRA; NETO, 2009), associando ainda, quando refere-se às zonas rurais, à degradação do solo
da caatinga proveniente da exploração intensiva, o que resulta em baixa produtividade, baixos índices de
desenvolvimento socioeconômico, em desigual geração e distribuição de renda e, constantemente, na migração
do campo para a cidade. Essa população rural, haja vista a dificuldade para ser atendida com o abastecimento de
água potável pela rede pública por estar, muitas vezes, localizada de forma dispersa, demanda a existência de
programas, processos e atividades sustentáveis comunitárias com soluções adequadas às suas especificidades
econômicas e sociais (SANTANA; ARSKY; SOARES, 2011). Campos e Studart (2001) dizem que, sob o
contexto histórico hídrico da região nordestina, o Estado brasileiro atuou com aplicação e sugestão de possíveis
soluções para o devido convívio com a situação descrita; contudo, a conduta governamental se caracterizou, 

majoritariamente, pelo clientelismo, com políticas voltadas para os latifundiários, cooperando para a perpetuação
das velhas estruturas socioeconômicas e políticas oligárquicas (MELO; PEREIRA; NETO, 2009). Há, por parte
do Poder Público, desinteresse histórico em universalizar efetivamente o acesso à água potável, restringindo-o à
zona urbana ao afirmar essa necessidade apenas para as edificações permanentes urbanas; dessa maneira, a rural
permanece em estado de déficit de abastecimento por pouco incentivo, fomentando as desigualdades sociais. A
obtenção dessa água não se limita a compor o saneamento básico, é também de grande magnitude para assegurar
a segurança alimentar e nutricional humana. Além disso, o acesso à água deve ser avaliado em dois contextos,
espacial e temporal, levando em conta a qualidade do recurso coletado e como é exercida a autonomia dos
indivíduos e das famílias, pois essas podem ser submetidas aos favores clientelistas para adquirir água, a qual é
um bem público primordial. Tem-se como exemplo, diante de relações políticas pessoais, que possuem interesses
divergentes dos públicos, a utilização de carros-pipa para abastecer as residências rurais, os quais são
disponibilizados, geralmente, a partir de cooptação eleitoral, infringindo o direito humano universal de acesso à
água adequada ao consumo. À vista disso, verifica-se, perante a organização social revelada, a eficiência e o
importante papel das cisternas, utilizadas, por sua vez, para armazenar água da chuva e, que sob determinada
conjuntura social, configura uma estrutura de abastecimento de água descentralizada, suscitando, por sua vez, a
democratização e a independência de tal acesso (SANTANA; ARSKY; SOARES, 2011). A Articulação no
Semiárido Brasileiro (ASA) as desenvolveu com placa de cimento por representarem uma tecnologia social de
baixo custo e com potencialidade para serem replicadas, instituindo, então, o Programa Um Milhão de Cisternas
Rurais (P1MC); os reservatórios em questão têm capacidade de armazenar até 16 mil litros de água e, dessa
forma, abastecer uma família de até 5 (cinco) pessoas por 8 meses para consumo e produção de alimentos. Sua
boa funcionalidade motivou a sua implantação pelo Governo Federal, com o Programa Cisternas integrado ao
Programa Água para Todos, incluso no Plano Brasil sem Miséria (CAMPOS e ALVES, 2014), garantindo, enfim,
melhoria na saúde, segurança alimentar propícia e desenvolvimento local das populações menos apaniguadas
socialmente. Campos e Alves (2014) alegam também que as cisternas utilizadas pelo Programa Cisternas, além
de serem pouco custosas, são de simples execução e aplicação, podendo ser facilmente desenvolvidas pela
comunidade através da mobilização apoiada na gestão e manejo do recurso hídrico, atendendo os eixos familiares
e comunitários. Ademais, declaram que a mão de obra empregada na construção estrutural é local, com prévio

treinamento adequado. Essa organização se dá devido à importância de caracterizar tecnologias sociais, tornando-
as e mantendo-as pertencentes à população atendida, viabilizando o reconhecimento de sua cidadania. De acordo

com Gnadlinger (2001, apud SANTANA; ARSKY; SOARES, 2011), a captação das águas pluviais se comporta como uma alternativa amplificadora do desenvolvimento rural do semiárido, uma vez que é uma tecnologia
exequível, focada na população local e na justiça social, de baixo custo e ecologicamente sustentável;
considerando a sua atual difusão, afirma-se ser uma opção que oportuniza melhores condições de vida na região
em análise. Destarte, constata-se, em face do Poder público que conserva a dependência política, ser viável o
armazenamento de água da chuva nas cisternas para atingir acesso e gestão dos recursos hídricos de forma
descentralizada, permitindo à população rural, principalmente à que se encontra em condição social vulnerável,
maior autonomia e desenvolvimento socioeconômico. Para mais, essa alternativa representa uma solução
eficiente ao ser instituída, por parte dos beneficiários, de forma sustentável e consciente acerca da capacidade de
estoque e do tratamento necessário para tornar a água adequada ao consumo (SANTANA; ARSKY; SOARES,
2011). Nessa circunstância, muitos benefícios se manifestam, dado que Santana, Arsky e Soares (2011), exibem
as avaliações do Programa Cisternas realizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU, 2006) e pela Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA, 2009), em que são expostas melhorias nas condições de saúde
e da água para consumo, otimização do tempo e esforço gastos no deslocamento em busca de água e redução de
aparecimento de doenças de propagação hídrica. Esses fatores influenciam positivamente no desenvolvimento
humano das localidades rurais e os cidadãos atendidos se mostram contemplados com a democratização descrita,
tendo em vista a presença de possibilidade, eficiente e eficaz, de ganhos sociais e de consolidação da participação
popular nas políticas públicas, desde a elaboração ao controle. Embora as cisternas constituam uma boa
tecnologia de abastecimento de água potável, há ainda outras demandas hídricas, a exemplo da utilização da água
na ampliação da produção de alimentos no semiárido, realizada pelas famílias atendidas e motivada por uma
efetiva assistência técnica rural, pela qual sejam permitidas melhor sustentabilidade e inclusão produtiva aos
mercados (CAMPOS e ALVES, 2014). Compreende-se, por fim, ser imprescindível a adoção de um
comportamento favorável às pessoas diretamente afetadas pela condução da seca no semiárido, de forma que elas
tenham independência e oportunidade para optar pela solução mais adequada às suas realidades, podendo
diminuir o êxodo rural e conviver satisfatoriamente com as dificuldades inerentes ao desastre natural da seca.

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Publicado

2021-08-27

Como Citar

PIRES, ÉVELYN R. O. (2021). CISTERNAS NA ZONA RURAL DO SEMIÁRIDO NORDESTINO: MECANISMO INDEPENDENTE PARA CONVÍVIO COM A SECA. Cadernos Macambira, 4(2), 38–41. Recuperado de http://revista.lapprudes.net/index.php/CM/article/view/364