AGRICULTURA ECOLÓGICA NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO AGRESTE: DO MARCO DE IDENTIDADE À PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL

Autores/as

  • DÊMILLE MENDES MACEDO demillemacedo@gmail.com
    Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia/ Campus Seabra
  • DHÉFANE MENDES MACEDO dhefanemacedo@gmail.com
    Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia/ Campus Seabra
  • JOÃO PAULO ORTEGA LINS joaopolins@gmail.com
    Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia/ Campus Seabra
  • MARIA CLARA SILVA FERNANDES clarafernandes1567@gmail.com
    Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia/ Campus Seabra
  • HOMERO GOMES DE ANDRADE homerogomes@ifba.edu.br
    Instituto Federal da Bahia/ Campus Seabra

Resumen

Essa pesquisa baseou-se nas práticas agroecológicas desenvolvidas na comunidade quilombola do
Agreste, na Chapada Diamantina- BA, visando o entendimento da relação da dinâmica de cultivo desse grupo
com os conceitos de água, terra e território, sua respectiva importância local e externa para a preservação
sociocultural, ambiental e de identidade, e a consequente valorização e disseminação desse tipo de atividade. Os
dados foram obtidos através de entrevistas, estruturadas e espontâneas e as análises de dados e materiais seguiram
a metodologia qualitativa. As interlocuções foram realizadas com lideranças locais e as temáticas abordadas
foram referentes às suas respectivas vivências, métodos de plantio, tradições, culturas e ancestralidade.
Historicamente, as técnicas de cultivo sustentável caracterizaram a forma de produção agrícola de diversos
grupos ainda que inconscientemente, uma vez que, não almejando uma quantidade exacerbada de lucros, esses métodos eram e são, constantemente adotados por povos que tinham e têm como objetivo uma produtividade que
relacione os princípios de respeito à natureza com os ideais de subsistência. Esses sistemas agrícolas tradicionais
“representam as experiências acumuladas de agricultores interagindo com o meio ambiente sem acesso a insumos
externos, capital ou conhecimento científico”, Altieri (2004).
Essa agricultura de base ecológica (CAPORAL, COSTABEBER, 2004), atualmente, está estruturada sob
um recente conceito de agroecologia, isto é, procura métodos de produção menos nocivos aos ecossistemas, às
relações sociais e econômicas, permitindo, assim, uma técnica de desenvolvimento que vai além da forma de
produzir.
O território quilombola do Agreste, pertencente ao município de Seabra, na Chapada Diamantina- BA, é
um exemplo inconteste da adoção espontânea desse tipo de produção, uma vez que, desde sua formação como
comunidade, são aplicados métodos orgânicos de cultivo, nos quais há a substituição de agroquímicos e de plantas
geneticamente modificadas por componentes mais naturais, acessíveis e menos agressivos. Esse sistema de
produção, além de englobar fatores sustentáveis, está diretamente associado às questões hídricas, às
características do solo e à formação da identidade como aspecto de pertencimento territorial.
No que tange ao contexto de uso e disposição da água, a região apresenta um método de plantio
dependente das chuvas, uma vez que não há projetos amplos que contêm técnicas de irrigação artificiais.
Entretanto, por se localizar em uma área com baixos índices pluviométricos, a comunidade encontra dificuldades
no desenvolvimento da lavoura e, por consequência, diminui a quantidade e diversidade de produtos obtidos por
meio dessa atividade. Para evitar a paralização total da agricultura, são adotadas políticas como o uso das
cisternas- “projeto da ASA Brasil realizado pelo governo federal a partir de 2016, que capta e conserva a água da
chuva para reuso em uma região com grandes períodos de seca”; Gameiro (2019);, o uso de materiais, em exemplo
de regadores, chamados culturalmente de “chuveiros”, que visam o controle da quantidade de água utilizada, e a
reutilização desse recurso após sua aplicação em atividades cotidianas como: banho, limpeza de ambientes e,
sobretudo, uso doméstico.
Perante a atual crise hídrica, a conscientização e o desenvolvimento de tais práticas ambientalistas são de
fundamental importância para a economia e preservação das reservas ainda existentes, uma vez que, a realização
de condutas degradantes, não somente para com a água, como também, para com solo, aflige e desregula todo o
ciclo hídrico e ecológico pelo qual passam grande parte dos seres encontrados dentro da natureza, o que
estabelece, consequentemente, uma desestruturação de todo o ecossistema presente. A comunidade quilombola do Agreste, por situar-se em uma região de clima semiárido, apresenta um tipo
de solo caracterizado a partir das condições locais atmosféricas e, mesmo não contando com um estudo científico
moderno de técnicas geológicas e laboratoriais que englobe a especificidade do solo da localidade, dispõe de uma
sabedoria prática e tradicional/ cultural acerca do uso e aproveitamento do solo. Diante do exposto, a população,
portando seu conhecimento regional das técnicas de plantio que durante anos tiveram como base, realiza
atividades de cultivo totalmente ligadas ao conhecimento material que contam sobre a terra, uma vez que
desenvolvem a produção de alimentos, sobretudo de mandioca e fumo, que são propícios às condições locais e,
em razão disso, são produzidos em maior escala e, proporcionalmente, geram uma maior renda à região. No
entanto, apenas estes produtos são destinados à comercialização, sendo que o cultivo de outros alimentos, como
exemplo do feijão, laranja e manga, é voltado à subsistência da própria comunidade.
Em razão da dependência climática e das circunstâncias do solo, a região adota um sistema agrícola, no
qual utiliza-se artifícios como as lonas plásticas para o armazenamento da água e seus nutrientes por mais tempo
na terra. Tal técnica consiste em abrir buracos no solo, em áreas específicas para o cultivo, e assim, adiciona-se,
logo após, as lonas plásticas, seguidas da terra e do adubo (esterco; matéria orgânica decomposta, como exemplo
principal, de folhas e frutos, oriundos da inutilização para comércio ou alimentação), compondo um sistema de
agricultura duradouro e menos agressivo.
Para o controle de pragas e insetos, são utilizadas técnicas de base ecológica com o propósito de substituir
o uso de compostos químicos, como os agrotóxicos, pela utilização de fertilizantes naturais. Uma das alternativas
adotadas pela comunidade é o emprego de um líquido extraído da pimenta que, misturado a certa quantidade de
água, é borrifado na plantação, e por provocar ardência age como um inseticida orgânico, permitindo o
crescimento e, mais tarde, um consumo saudável do produto final.
Em diálogo com as moradoras locais Carmelice Rosa da Silva, Jandira Cassimiro e Deusita dos Santos
Cassimiro, foi levantado um questionamento acerca dos impactos gerados pelo modelo de produção do
agronegócio, no qual, são cultivadas extensas monoculturas de alimentos geneticamente modificados e/ou com
base agrotóxica em amplos hectares de terra, também chamados de latifúndios, com um grande arsenal de
materiais tecnológicos, insumos externos e capital, afetando diretamente a qualidade do solo e do produto
futuramente consumido. A partir dessa problematização, as respectivas habitantes expuseram suas preocupações
no que tange ao avanço desse sistema de produção, já que, plantando em larga escala e com auxílio de um
sofisticado aparato, o nível de produtividade resultante é exponencialmente maior se comparado ao cultivo
orgânico realizado por pequenos produtores, em exemplo dos moradores da comunidade do Agreste, o que desvaloriza o plantio realizado por esses em seu território. Segundo Altieri, a situação atual do agronegócio de
perda de diversidade biológica, erosão do solo e de doenças causadas pelo uso de agrotóxicos, infelizmente,
impõe-se sob o modelo sustentável da agricultura ecológica (ALTIERI, 2015). A imposição implícita de pesticidas
e agrotóxicos se dá pela força de mercado, falso sentido de praticidade e apelo comercial. Esse cenário demonstra
a extrema necessidade do desenvolvimento de um sistema único de agricultura que objetive sempre o respeito à
natureza e à saúde humana.
Conceitualmente, uma comunidade quilombola consiste em associação de terra, etnia, tradições,
ancestralidade, modo de produção e, no passado e no presente, um local de múltiplas resistências. Inserida em
um contexto de identidade quilombola, a população do Agreste representa a resistência negra também na sua
forma de produção, uma vez que, esta dialoga como uma ferramenta de reafirmação cultural da comunidade por
possibilitar que a mesma se desenvolva localmente, sem a necessidade de transferência deste grupo, em busca de
emprego, para cidades circunvizinhas, fortalecendo a história, o legado e a ancestralidade dos moradores do
território, além de fortificar a economia de seu respectivo município, Seabra, desenvolvendo uma agricultura de
respeito à natureza que auxilia na geração e consumo de alimentos locais cada vez mais saudáveis e de base
familiar. A demarcação desse território, além de configurar direitos, evidencia a liberdade de produção desses
povos, pois corresponde a uma área, que, por possuir donos diretos, apresenta uma menor possibilidade de perda
do local, permitindo a continuidade da tradição e de seus costumes, ou seja, a terra, em seu estado próprio, é
também instrumento de reafirmação de identidade.
Fica evidente que em suas práticas cotidianas e na afirmação constante de identidade como grupo, a
população do Agreste procura sempre estar unindo as atividades culturais e de subsistência a costumes que
objetivam a sustentabilidade, a equidade social e, sobretudo, uma comunhão entre natureza, produção e
comunidade. Estes hábitos devem, portanto, ser disseminados e compartilhados a fim de que difundam e inspirem
o respeito, a preocupação com o meio e a adoção de novas condutas mais conscientes nos âmbitos social,
econômico e ambiental.

Publicado

2021-08-27

Cómo citar

MACEDO, D. M., MACEDO, D. M., LINS, J. P. O., FERNANDES, M. C. S., & ANDRADE, H. G. D. (2021). AGRICULTURA ECOLÓGICA NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO AGRESTE: DO MARCO DE IDENTIDADE À PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL. Cadernos Macambira, 4(2), 30–34. Recuperado a partir de http://revista.lapprudes.net/index.php/CM/article/view/362

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