PROJETO UNIVERSIDADE PARA TODOS NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE PRAIA GRANDE, ILHA DE MARÉ – DO DESAFIO DE SUA IMPLANTAÇÃO AO RESULTADO DO PRIMEIRO ANO DA POLITICA DE COTAS QUILOMBOLAS DA UNEB
Resumo
Este trabalho é um relato da experiência da primeira turma do projeto de pré-vestibular gratuito,
Universidade para Todos, em Ilha de Maré ambiente insular da cidade de Salvador, Bahia. O projeto é uma ação
da política de ações afirmativas com vistas a reparação e inclusão social, do governo do Estado da Bahia,
direcionada a estudantes concluintes e egressos do ensino médio da rede pública estadual, tendo como objetivo
preparar os alunos para os processos seletivos de ingresso ao ensino superior. Destaque, também para o fato desse
polo piloto ser implantado na Comunidade de Praia Grande que pertence ao território que reconhecido e
certificado como Comunidades Remanescente de Quilombos (PALMARES, 2018). Falo em destaque
considerando que, lamentavelmente, nas comunidades quilombolas em todo território brasileiro, o déficit de
escolas é expressivo e, quando se faz presente, na maioria dos casos, sua estrutura e as condições de seu
funcionamento são muito precárias (CAMPOS; GALLINARI, 2017). Ilha de Maré é um exemplo disso, apesar
de ser território da capital do estado que é possuidora do maior PIB da Bahia, conta com apenas, 7 escolas
municipais, localizadas nas comunidades de Botelho, Santana, Praia Grande, Porto dos Cavalos e Bananeiras
para a totalidade do público das 11 comunidades (BRASIL, 2019). Quase todas as escolas atendem apenas à
Educação Infantil, Ensino Fundamental I (1o ao 5o ano) e Educação de Jovens e Adultos - EJA. A oferta do ensino
fundamental II (5o ao 9o) é realizada somente na Escola Municipal de Ilha de Maré, situada em Praia Grande.
Para cursar o ensino médio, os alunos têm que se deslocar de barco para o Bairro de Paripe, localizado na parte
continental de Salvador ou se deslocar, também de barco até a cidade vizinha, Candeias. O relato pretende descrever como foi desenhado o percurso do processo, desde o seu início em 2016, a apresentação da demanda
pelas lideranças e o diálogo com a Universidade do Estado da Bahia - UNEB; o diagnóstico do local e sua
estrutura para funcionamento do curso e, o contato com a comunidade e as parcerias com órgãos públicos
estaduais e municipais; a seleção dos professores e dos alunos; o enfrentamento dos desafios do percurso: as
condições de funcionamento do curso, a baixa auto-estima e a evasão dos cursistas; os resultados gerados de 2016
até 2018, ano de implantação do sistema de reserva de sobrevaga quilombola nos processos seletivos de ingresso
nos cursos ofertados pela UNEB. Não poderia ficar fora desse relato a movimentação recentemente gerada em
Ilha de Maré – o êxtase do resultado meio que inacreditável da turma de jovens quilombolas que mal saíram da
adolescência, o choro, os memes nas redes sociais, o medo e, a alegria que atravessou o mar e na Ilha fez sua
festa. Eventos produzidos pela aprovação de 18 jovens quilombolas no vestibular 2019 da UNEB, em diferentes
cursos de graduação, incluindo os cursos mais disputados como, por exemplo, o jovem de 19 anos, auxiliar de
serviços gerais da escola, onde funciona o projeto, que foi aprovado em 1o lugar para cursar direito na UNEB em
Salvador e a jovem manicure aprovada, no ano de 2016, em 2o lugar para o curso de enfermagem quando ainda
não havia cotas quilombolas. O caso de Iris, aluna da comunidade de Santana aprovada em 1o lugar para cursar
psicologia, mas que ficou impedida de ocupar a vaga porque sua comunidade não possui o certificado emitido
pela Fundação Palmares como Comunidade Remanescente de Quilombo, fato que não era não do conhecimento
dela assim como também era desconhecido para muito moradores. Peço licença para, mesmo sem querer
questionar a sua importância, quebrar o protocolo da impessoalidade exigida na descrição de nossas pesquisas,
para trazer mais um elemento que vincula ainda mais a discussão dessa experiência à proposta da VI Jornada de
Agroecologia da Bahia, evento que é organicamente construído tendo como protagonistas os povos do campo
(VIANA & CARVALHO, 2017). Considerando que os sujeitos forjam sua própria história, ninguém melhor do
que o próprio sujeito para falar sobre sua experiência, um dos autores e apresentadores dessa experiência em Ilha
de maré, também é um dos líderes da comunidade que articulou a implantação do projeto em sua comunidade.
Em 2016, com 29 anos, ocupava o cargo voluntário de diretor-tesoureiro no Instituto de Pesca Artesanal – IPA
além de sempre estar muito envolvido com as demandas do funcionamento do curso, também de modo voluntário.
Felizmente conseguiu conciliar o atendimento das demandas com a participação como cursistas nas aulas, sendo
aprovado no vestibular para cursar na UNEB a licenciatura em Ciências Sociais. Hoje, está cursando o 5o semestre
e continua envolvido com o desenvolvimento do projeto no polo, também compõe a coordenação da Casa do
Estudante Quilombola de Ilha de Maré que é mais uma das conquistas que o projeto proporcionou, através da
Secretaria da Reparação da prefeitura de Salvador, uma casa para os estudantes quilombolas de Ilha de Maré que
estejam matriculados em cursos de graduação em universidades públicas.