NÚMERO ESPECIAL: “Sobre si, os seus e o mundo – trajetórias de famílias da roça em autoetnografias”
Sobre a proposta
O número especial, intitulado: “Sobre si, os seus e o mundo – trajetórias de famílias da roça em autoetnografias” é uma posposta do Grupo de Pesquisa Família, (Auto)Biografia e Poética (FABeP), criado e liderado pela Professora Doutora Elaine Pedreira Rabinovich no âmbito do Programa de Pós-graduação em Família na Sociedade Contemporânea (PPGFSC) da Universidade Católica do Salvador (UCSal) e veiculado à linha de pesquisa Contextos Familiares e Subjetividade.
Os artigos e ensaios do número especial serão contribuições teórico-metodológicas ou estudos de casos das(os) Pesquisadoras(es) do FABeP, correspondendo a um dos campos de estudo priorizados no escopo editorial da Revista Macambira – ISSN 2594–4754, DOI: 10.35642, Qualis: B1 (2017-2020) – a saber: Família e Ruralidades.
O Grupo de Pesquisa FABeP vem se dedicando há bastante tempo ao debate acerca da dimensão poética da família, compreendendo-a (a família) como uma construção do imaginário social, em que diferentes concepções surgem com tons conservadores, progressistas ou em zonas cinzentas onde fica difícil perceber o espectro ideológico de tais concepções; contudo, as pesquisas sobre família no FABeP não reforçam a “[...] visão conservadora, pautada nos valores morais e religiosos, propagados na sociedade brasileira patriarcal, submersa nas hierarquias de gênero.” (Reina; Bastos, 2023, p. 28).
Assim, as(os) pesquisadoras(es), empunhando sua voz enunciada na primeira pessoa, tornam-se o ‘locus biográfico’ da contação de si, dos seus (a família) e o mundo-cenário do vivido. Nesse protagonismo narrativo de caráter autorrepresentativo, cada pesquisadora e pesquisador é a(o) etnóloga(o) ‘de si’, empreendendo o “[...] retorno ‘para si’ por meio da lembrança [...] uma ‘expedição’ no campo do si-mesmo-como-outro do qual, por um impulso poético, aproxima-se [dos seus, através] dos encontros e reencontros situados [no mundo]”. (Souza, 2023, p. 151, grifos do autor).
Dito isso, o objetivo desta proposta é, na circularidade da recordação (auto)etnográfica, ultrapassar “[...] o mero ato de lembrar para nos possibilitar, a partir de narrativas compartilhadas, evocar e reclamar heranças apagadas [...]” de nossas famílias da roça (Silva, 2023, p. 179). Reafirmando o Método Autoetnográfico nos termos das Ciências Humanas ainda mais humana e, por isso, atenta ao protagonismo das experiências dos povos esquecidos (aqui, os povos da roça).
Evidentemente que a preferência pela Autoetnografia não nega ou desconsidera a figura da(o) ‘observadora(o) de fora’ – a(o) etnóloga(o) –, dizendo/escrevendo sobre o ser humano observado. Entretanto, firma a opção pela pesquisa que não, apenas, descreve outras vidas, mas une-se a elas no compromisso de ‘levar a sério’ suas experiências e testemunhos, atentando-se à narrativa em primeira pessoa não como um fetiche de que, tão somente, a(o) esquecida(o) da História pode falar sobre si mesma(o), afinal, a regra é outra: homens brancos, elitizados, urbanos, metropolitanos e laureados indo ao ‘campo’ anotar o que dizem e fazem as(os) sujeitos da pesquisa; mantendo uma distância segura para não “contaminar” os ‘dados’. Se na atualidade as(os) esquecidas(os) podem assumir um método em que os ‘dados’ se abrem para uma (auto)análise enriquecida pelas próprias experiências e as dos seus, esperando compreender esses modos de existir, nota-se que o fetiche pelo homem branco, elitizado, urbano, metropolitano e laureado tem perdido a aura de autoridade suprema (Ingold, 2019; Rabinovich, 2024).
O panorama aqui evidenciado possibilita e fomenta o olhar para múltiplos modos de subjetivação e de estruturação dos contextos. No mesmo caminho, favorece o desvelamento dos legados ancestrais e da práxis ética e política de pessoas que se fazem corpos-territórios (Haesbaert, 2020), resistindo, sobrevivendo e estruturando a vida comunitária em contextos ainda fortemente implicados pela violência colonial. Tal posicionamento, que se aproxima da ideia de contracolonialidade de Antônio Bispo dos Santos (2023), não é somente teórico, mas ético e ideológico, porque desconstrói a ideia de totalidade imposta pela colonialidade e descortina a diversidade de modos de ser, existir e de organizar dos afropindorâmicos (em alusão às/aos quilombolas, negras/os e indígenas); supostamente vencidos, entre os quais estão os povos da roça. Nessa perspectiva, a autoetnografia, como método de pesquisa, pode fortalecer a transformação de ‘sobreviventes’ em ‘supraviventes’, traduzidas(os) nas palavras de Luiz Antônio Simas e Luiz Rufino (2020) como aquelas(les) que não apenas reagem as condições de exclusões, mas transformam as ruínas em espaços de construção coletiva, “[...] armando a vida como uma política de construção de conexões entre ser e mundo, humano e natureza, corporeidade e espiritualidade, ancestralidade e futuro, temporalidade e permanência.” (Simas; Rufino, 2020, p. 6). É assim que fazem as(os) participantes do grupo FABeP.
Portanto, o número especial: “Sobre si, os seus e o mundo – trajetórias de famílias da roça em autoetnografias” é a crença de que existe outra forma de fazer ciência, isto é: “[...] na comunhão entre a experiência e a imaginação, em um mundo para o qual estamos vivos e que está vivo para nós [...]” (Ingold, 2019, p. 17).
Organizadores
Elaine Pedreira Rabinovich - Psicóloga Clínica. Pós-Doutora em Psicologia Socioambiental pela Universidade de São Paulo (USP). Universidade Católica do Salvador (UCSal). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Família, (Auto)Biografia e Poética (Fabep-UCSal).
Antonio José de Souza - Teólogo/Historiador. Pesquisador de Pós-Doutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Doutor em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador (UCSal). Secretaria Municipal de Educação de Itiúba (BA). Integra o Laboratório de Políticas Públicas, Ruralidades e Desenvolvimento Territorial (LaPPRuDes-IFBaiano). Membro do Conselho Editorial da Revista Macambira.
Diana Leia Alencar da Silva - Pedagoga/Letróloga. Doutoranda em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador (UCSal). Centro Universitário Dom Pedro II. Integra o Grupo de Pesquisa Família, (Auto)Biografia e Poética (Fabep-UCSal).
E-mail para contato: revistamacambira.lapprudes@gmail.com
Cronograma
Prazo para envio dos arquivos*: Julho/2025
Devolução dos pareceres dos artigos: Outubro/2025
Publicação do Dossiê na revista: Fevereiro/2026
*A submissão deverá ser realizada exclusivamente via site. O artigo deve atender aos parâmetros estabelecidos pela REVISTA MACAMBIRA, que podem ser consultados nas diretrizes aos autores/as:
http://revista.lapprudes.net/index.php/RM/about/submissions
Referências
HAESBAERT, Rogerio. Do corpo-território ao território-corpo (da terra): contribuições decoloniais. Geographia, v. 22, n. 48, 16 jun. 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/geographia/article/view/43100. Acesso em: 3 nov. 2024.
INGOLD, Tim. Antropologia: para que serve? Tradução de Beatriz Silveira Castro Filgueiras. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.
RABINOVICH, Elaine Pedreira. Eu/Nós: história e autoetnografia. Revista Ouricuri, [S. l.], v. 14, n. 1, p. 25–37, 2024. Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/ouricuri/article/view/18456. Acesso em: 2 nov. 2024.
REINA, Vanderlay Santana; BASTOS, Samira Safadi. Memória social do Grupo de Pesquisa Família, Auto(Biografia) e Poética (FABEP): espaço de compartilhamento e formação humana-científica. In: BASTOS, Ana Cecília de Sousa; et al (Org.). A poética do encontro com Elaine Pedreira Rabinovich. Curitiba: Appris, 2023, p. 25-34.
SANTOS, Antônio Bispo dos. A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu Editora, 2023.
SILVA, Diana Leia Alencar da. O Contar-se entre o “nós outros”: a identidade narrativa na circularidade de uma casa de farinha. In: BASTOS, Ana Cecília de Sousa; et al (Org.). A poética do encontro com Elaine Pedreira Rabinovich. Curitiba: Appris, 2023, p. 171-182.
SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Encantamento: políticas de vida. São Paulo: Mórula, 2020.
SOUZA, Antonio José de. Narrativas poéticas de professores negrogays: um estudo psicossocial. In: BASTOS, Ana Cecília de Sousa; et al (Org.). A poética do encontro com Elaine Pedreira Rabinovich. Curitiba: Appris, 2023, p. 149-159.